sábado, 20 de dezembro de 2008

Pais órfãos

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos seus próprios filhos. É que as crianças crescem independentes de nós. Crescem sem pedir licença.
Crescem a cada dia sob nossos olhos.
Mas não crescem todos os dias de igual maneira. Crescem de repente.
Um dia sentam-se perto de você e dizem uma frase com tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu?
Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do maternal?
A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil...
Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e das horas que se vão.
E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros.
Principalmente com os erros que esperamos que não repitam.
Não mais os pegaremos nas portas das escolas e das festas, não os pegaremos no colo para ninar e fazer dormir. Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô. Saíram do banco de trás e passaram para o volante.
Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância.
Não os levamos suficientemente ao parquinho, ao shopping, aos aniversários, não lhes demos suficientes guloseimas e refrigerantes, não lhes compramos todos os sorvetes, brinquedos e roupas que gostaríamos de ter comprado.
Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.
No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscina e amiguinhos.
Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de biscoitos e cantorias sem fim.
Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, pois era impossível deixar a turma.
Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas seres.
Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e orando muito para que eles acertem nas escolhas em busca de felicidade. Que eles sigam o caminho de Deus.
E que a conquistem do modo mais completo possível.
O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco.
Por isso os avós são tão permissivos e distribuem tão incontrolável carinho.
Os netos são a última oportunidade de re-editar o nosso afeto.
Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.

“Aprendemos a ser filhos depois que somos pais”.
“Só aprendemos a ser pais depois que somos avós.”
Texto de Affonso Romano de Sant'Anna – Adaptação: Roberta Simões

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